de Max Lucado
Gabriel deve ter coçado a cabeça com essa. Ele não era de questionar suas
missões dadas por Deus. Enviar fogo e dividir mares estavam todos inclusos no
trabalho eterno de um anjo. Deus mandava, Gabriel executava.
E quando ficou conhecido que Deus iria virar homem, Gabriel ficou
entusiasmado. Ele podia visualizar o momento: O Messias numa carruagem de fogo.
O Rei descendo numa nuvem em chamas. Uma explosão de luz, da qual o Messias
emergiria.
Era isso que ele esperava. No entanto, ele nunca esperava o que ele recebeu:
um pedaço de papel com um endereço nazareno. “Deus se tornará um bebê”, lia-se,
“Diga a mãe para dar-lhe o nome de Jesus. E diga a ela para não ter medo.”
Gabriel não era de questionar, mas dessa vez ele teve que se perguntar.
Deus vai virar um bebê? Gabriel já tinha visto um bebê antes, ele havia sido
líder de pelotão na “operação junco”. Ele se lembrava do bebê Moisés.
Isso não tem problema para humanos, ele pensou, mas pra Deus?
Os Céus não conseguem contê-lo, como poderia um corpo? De todo jeito, já viu
no que dão aqueles bebês? Dificilmente cabível para o criador do universo.
Bebês precisam ser carregados, alimentados e banhados. Só de imaginar uma mãe
colocando Deus para arrotar no seu ombro – isso era além do que um anjo poderia
imaginar.
E o seu nome – qual era? – Jesus? Um nome tão comum. Tem um Jesus em cada
esquina. Até o nome Gabriel tem mais impacto que Jesus. Chamem o bebê de
Eminência, Majestade ou Enviado-celeste. Qualquer coisa menos Jesus.
Então Gabriel coçou a cabeça. O que houve com os bons tempos? Aquelas coisas
como Sodoma e Gomorra, o dilúvio, espadas de fogo... era esse tipo de ação que
ele gostava.
Mas Gabriel havia recebido suas ordens: levar a mensagem a Maria. Deve ser
uma garota especial, ele pensou enquanto viajava. Mas Gabriel estava prestes a
se chocar de novo. Uma olhada rápida fez ele ver que Maria não era nenhuma
rainha. A futura mão de Deus não era realeza, ela era uma plebéia judia que mal
tinha passado da fase das espinhas e tinha uma queda por um cara chamado Zé.
E falando do Zé, o que esse cara sabe? Deve ser um tecelão na Espanha, ou
sapateiro na Grécia. Ele é um carpinteiro. Olha ele ali, com serragem na barba
e um avental de pregos na cintura. Você está me dizendo que Deus vai jantar
toda noite com ele? Você está me dizendo que a fonte de sabedoria vai chamar
esse cara de “Pai”? Você está me dizendo que um trabalhador comum vai ser
responsável por alimentar Deus?
E se ele for demitido?
E se ele ficar mal-humorado?
E se ele resolver fugir com uma menina bonita do final da rua, onde
estaremos então?
Era só o que Gabriel podia fazer para não virar e ir embora. “É muito
peculiar esta idéia que você tem, Deus”, ele deve ter murmurado para si mesmo.
São realmente dadas tantas reflexões aos guardiões de Deus?
Ainda ficamos? Ainda ficamos maravilhados com a vinda de Deus? Ainda nos
fascinamos com o evento? O Natal ainda causa a maravilha indescritível que
causava há dois mil anos atrás?
Eu venho me perguntando isso ultimamente. Ao escrever isto, será Natal em
poucos dias, e algo tem me preocupado, que o ritmo do feriado pode estar
obscurecendo o propósito do feriado.
Eu vi uma manjedoura num shopping. Correção, eu mal vi a manjedoura, eu
quase não vi. Eu estava com pressa, hóspedes chegando, Papai Noel passando em
casa, pregações para terminar, cultos a serem organizados, presentes a serem
comprados.
A correria foi tão grande que a cama do Cristo foi quase ignorada, eu quase
perdi. E se não tivesse sido por um filho e seu pai, eu teria perdido.
Mas do canto do meu olho eu os vi, um menino de três ou quatro anos, usando
jeans e camiseta, olhando para o bebê na manjedoura. O pai, em roupa de
trabalho e boné de beisebol, olhando por trás do ombro do seu filho, apontando
para José, depois Maria, depois o bebê. Ele estava contando a história ao seu
filho.
Os olhos do menino brilhavam, seu rosto estava repleto de maravilha. Ele não
falou, apenas ouviu. Ele não se mexeu, apenas olhou. Quais seriam as perguntas
que enchiam a cabeça daquele menino? Será que eram as mesmas de Gabriel? O que
acendeu o encanto no seu rosto? Era a magia?
E por que é que dentre centenas de filhos de Deus, apenas dois pararam para
considerar seu filho? O que é esse demônio de Dezembro que rouba nossos olhos e
aquieta nossas línguas? Esse não é o motivo para pararmos e refazermos as
perguntas de Gabriel?
A tragédia não é que não podemos respondê-las, mas que estamos ocupados
demais para fazê-las.
Só os Céus sabem quanto tempo Gabriel sobrevoou perto de Maria antes de
respirar fundo e dar a notícia. Mas ele deu. Ele disse o nome, ele contou-lhe o
plano, ele disse para ela não ter medo, e quando ele falou “Com Deus nada é
impossível”, ele disse tanto para ela quanto para si mesmo.
Pois mesmo sabendo que não podia responder às perguntas, ele sabia quem
podia, e isso bastava. E mesmo se nós não conseguimos responder todas, separar
um tempo para fazer algumas perguntas é um bom começo.
(Texto retirado do site http://www.hermeneutica.com/)